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Época de eleição é sempre uma época de agrados ao comércio.

Veja você, se nos anos que se passam ninguém nota o comerciante ali, parado à beira do balcão, incansável em sua tarefa de atender ao público,  quando se aproximam as eleições a coisa muda de figura. Principalmente em eleições municipais, naquelas que se escolhe o prefeito e vereadores. Quanto mais perto de Outubro, mais candidatos aos cargos públicos aparecem para dar bom dia, perguntar como andam as coisas e se o movimento está bom.

É claro que tudo isso com uma superficialidade calculada. Ninguém quer saber realmente os teus problemas ou da cidade. É como quando te perguntam “Tudo bem?”, ninguém quer realmente saber de sua dor de dente ou das tuas dívidas, só desejam iniciar uma conversa.

Então os candidatos aparecem, dizem seu nome, contam como desejam mudar a cidade para melhor e quando você percebe já tem alguns santinhos no balcão, junto de jornais elogiosos e um pôster na parede.

Eu tenho uma política clara quanto a isso: Não.

“Posso colocar esse pôster?” Não

“Posso deixar uns jornaizinhos?” Não

“Candidato Fulano de tal! O melhor para nossa cidade!” Não

Simples assim. Inclusive instruo meus funcionários a também não aceitarem panfletos a não ser que tenham interesse e se for o caso não o mantenham no balcão.

Isso me lembra de um funcionário que tive, ele tinha vindo do interior e seu conhecimento político beirava ao risível, com comentários do tipo “Presidente? Não sei quem em votar aqui, mas se eu tivesse na minha cidade eu saberia”. Orientei o rapaz para que não aceitasse propagandas políticas e ele prontamente passou a não deixar que colocassem ou dessem nada.

Então veio o prefeito da cidade.

Ele parou no balcão e cumprimentou todos, tinha um calhamaço de jornais na mão. “Queria deixar aqui esses jornais do candidato que estou apoiando…”, o funcionário não pensou duas vezes, “O senhor não pode deixar isso aqui não!”. Lembro dos outros funcionários, e eu também, empalidecendo. O prefeito pegou seus jornais e saiu. Perguntei se ele sabia quem era o homem que estivera ali e ele disse que o rosto não lhe era estranho.

Conforme a eleição se aproxima e aparecem cada vez mais candidatos, bandeirolas, adesivos… As ruas vão ganhando cores e passado o dia da eleição tudo some e a cidade volta a ser cinza. Mas se engana caso você acredite que só verei eles novamente daqui à quatro anos, na segunda-feira depois das eleições ainda tenho contato com os candidatos, ou ao menos o que sobrou deles. Uma pilha de santinhos me espera na calçada, prontos para serem varridos para a lixeira.

1349618699165-lixo-de-campanha(A foto não foi tirada em frente ao meu estabelecimento. Assim que passarem as eleições eu substituo por uma tirada por mim)

 

 

Meu nome você conhece e confia. Sou Pedro Moreno, candidato à vaga de comerciário e escritor de nossa cidade, tão maltratada pelo descaso público. Conto com o seu voto, para que em Outubro possamos mudar essa situação e trazer o desenvolvimento para nossa cidade. (Para contribuir com a campanha, clique aqui)

 

O fornecedor encostou no balcão, cumprimentou, perguntou se eu precisava de alguma coisa e ficou ali olhando para a rua.

Esses são os sinais de que há algo. E logo esse algo veio na forma de um cheque voltado. Eu já falei sobre cheques aqui e continuo achando-os uma forma de pagamento inesperada, afinal não são garantia de nada. Peguei a folha mal escrita e conferi atrás de quem era o filho.

Sim, se pegar um cheque é arriscado, imagine de terceiros. Isso é algo muito comum no pequeno comércio. O mecânico não tem uma firma aberta, logo não possui uma máquina de cartão e acaba aceitando cheques que troca na loja por peças para fazer outros serviços.

Constava o nome atrás e depois de pago tratei de ligar para o mecânico responsável, no cheque o carimbo do banco tinha o motivo 35, precisei ver na lista de qual se tratava e para minha surpresa “Cheque fraudado”. Suspirei bem fundo.
Ninguém atendeu ao telefone.

Depois de uma semana o mecânico apareceu e eu falei do cheque. Disse que não estava com o dinheiro, mas iria trazer.

Duas semanas passaram e ele já não comprava comigo. O encontrei por acaso andando na rua e perguntei do cheque. Ele disse que seu filho tinha sido atropelado e estava sem dinheiro, mas iria pagar.

O tempo passou. Foram uns cinco meses quando eu o vi novamente, estava comendo um pastel e tentou ir embora quando me viu, mas percebeu que eu já o tinha notado e resolveu enfrentar.

– E o cheque?
-Meu filho foi atropelado semana passada…
– Cara, teu filho foi atropelado DE NOVO?!
– Não… Quer dizer… Sim.

Ele não pagou o cheque e sumiu de vez. Foi aparecer, com a sua melhor cara-de-pau que conseguiu, depois de 5 anos não mencionou os cheques pediu a mercadoria pagou com dinheiro trocado. Com medo de que talvez eu pegasse o troco para saldar o cheque.

Ele está vindo há pelo menos um ano agora, sempre de cabeça baixa, com dinheiro trocado falando por favor e obrigado. Lembra muito um cão arrependido que urinou no lugar errado.